quinta-feira, 28 de abril de 2011

O Dano moral e sua banalização

Um dos assuntos mais comentados e fonte de inúmeras ações judiciais em todas as esferas do Poder Judiciário, com certeza é o chamado "Dano Moral", e como operadora do Direito atendo frequentemente pessoas que ligam e vem me consultar acerca do assunto, e já com o questionamento: "Dra. isso dá dano moral né?" e, infelizmente o dano moral foi banalizado e hoje temos a chamada "indústria do dano moral" e que há muito vem instigando advogados e juízes acerca do que é o dano moral, como pode ser ele detectado e provado, e principalmente, aonde irá existir o dever de indenizar em caso de ato ilícito.

Primeiramente e acima de tudo NÃO SE PROVA TECNICAMENTE O DANO MORAL, O QUE SE PROVA É A CONDUTA ANTIJURÍDICA DO AGENTE (ATO ILÍCITO), O DANO É  MERA CONSEQUÊNCIA DESSA CONDUTA. Chegamos a conclusão então que o dano decorre do próprio fato, considerado ofensivo.

Os processos judiciais que se intitulam "ação de indenização por danos morais" tem seus fundamentos previstos na Constituição Federal (art. 5º, inc. X) em que se estatui:  “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”;  no Código Civil Brasileiro (art. 927) em que:  “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.” (caput); dentre outros.

Aliado a esses fundamentos legais, os doutrinadores também desenvolveram inúmeras definições e conceitos para o dano mora e sua reparação, tais como: JOSÉ DE AGUIAR DIAS, citando MINOZZI, ensina que o conteúdo do dano moral “não é dinheiro, nem coisa comercialmente reduzida a dinheiro, mas a dor, e espanto, a emoção, a vergonha, a injuria física ou moral, em geral uma dolorosa sensação experimentada pela pessoa, atribuído à palavra dor o mais largo significado.”
E assim, em se havendo a previsão legal de possibilidade de reparação por danos morais, a quem foi atingido em sua honra e personalidade, e que foi vítima de ato ilícito, surgiram diversos tipos de ações com as mais variadas e inusitadas situações do cotidiano, algumas graves, e outras apenas corriqueiras, mas que levam a pessoa a buscar a tutela jurisdicional pois se sentiram lesadas.

Nossos magistrados têm aí a árdua missão de julgar tais pedidos, e mais ter a sensiblidade apurada para se distinguir nas situações apresentadas, o que realmente causou o dano moral, ou seja, se a conduta praticada contra o Autor do processo foi considerada ilícita ou não, gostaria de transcrever partes de uma sentença que saiu essa semana em nossa comarca, e que por óbvio, vou omitir o nome das partes, mas que relata uma situação um tanto quanto difícil de se apurar se houve ou não o ato ilícito, e diz respeito a uma jovem que foi proibida de adentrar numa "boate" em razão de suas vestimentas, e levo-os a pensar e à discussão se houve ou não o dano moral.

"EMENTA: Dano moral. Transtornos causados por impossibilidade de entrar em boate, em razão de inadequação das vestimentas. Testemunha que confirma ser possível ver os seios da moça, em razão de decote da "frente única". Pedido Julgado Improcedente. Negativa de assistência judiciária, pelo fato de estar a autora acompanhada de caro advogado, sendo frequentadora de lugar reservado para a elite da sociedade, gente chique, com direito a aparecer nas colunas sociais do jornal local."

Sentença
Vistos, etc....
(...)
"Dizer se um  ou outro traje é ou não adequado não é a função deste ou qualquer outro Juiz, Desembargador ou Ministro, até porque para julgar não se exige curso de moda ou corte e costura. Portanto, não compete aqui analisar se a roupa da autora era ou não era inadequada, indecente ou imprópria, fato que está na discricionariedade da própria casa e que seus frequentadores devem se sujeitar. Quem não goste dessa limitação é que não vá lá, aliás, como é comum em qualquer outro lugar privado. O que compete aqui é saber se a casa noturna comunica a seus clientes que existe essa discricionariedade em analisar as vestimentas de seus frequentadores, de acordo com os critérios pré-estabelecidos, e isso a boate cumpre rigorosamente, sendo que a prova disso foi feita pela própria autora. (...)
A prova produzida na AIJ, pelo contrário, foi no sentido de evitar danos para a própria autora, na medida em que um dos frequentadores da casa afirmou que a blusa usada pela autora tinha frente única e era possível ver os seus seios, sendo que a permanência da autora na casa poderia gerar algum banzé, pois a testemunha ouvida "é homem e sabe como são essas coisas" (sic)
A Autora até tentou chorar na AIJ, dizendo que teria sido comparada a uma prostituta, mas nada disso ficou minimamente provado.
Assim, o presente processo não me parece mais que uma aventura. (...)
Até que ponto esses fatos tão normais de nossa vida podem causar transtornos psíquicos relevantes ao ponto de uma pessoa se sentir lesada em sua personalidade?
"Este é um tempo de partido, tempo de homens partidos", dizia Carlos Drumond de Andrade. Tudo se transmuda. E a intolerância grassa de mãos dadas com a impaciência e com o stress. Grassa o desrespeito ao ser humano, que é tratado como um simples número de cartão de crédito. Grassa também o atendimento "0800" que é a forma mais desgraçada de se submeter um homem a um desatendimento. (...)
Nas relações humanas atuais o que menos importa é a pessoa. O casamento já não é mais "na saúde e na doença, na ventura e na desgraça". Tudo se acaba na lua de mel. Os negócios jurídicos não vinculam as pessoas além da assinatura do papel. O fio de bigode, os vizinhos, os compadres, as visitas, o padrinho, tudo já é fora de moda.... E a banalização do dano moral torna o homem cada vez menos senhor de si, e mais senhor das "subtilitates", o que é um contra senso. (...)
Talvez algum dia, possamos melhor compreender a profundidade de Santo Agostinho a respeito dos verdadeiros prazeres que deveriam seduzir o coração: "conversar e rir, prestar obséquios com a amabilidade uns aos outros, ler em comum livros deleitosos, grtacejar, honrar-se mutuamente, discordar de tempos em tempos, sem ódio, como cada um consigo mesmo, e, por meio desta discórdia raríssima, afirmar a contínua harmonia, ensinar ou aprender reciprocamente qualquer coisa, ter saudades dos ausentes e receber com alegria os recém-vindos." (...)
Em face do exposto julgo improcedente o pedido.
Sem assistência judiciária. A autora veio acompanhada de combativo advogado, frequenta boate, ao que parece charmosa e muito cara e a coluna social. Pobre não é. Pobre só tem cesta básica, forninho, SUS, bolsa família, bolsa escola, bolsa vazia....
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Divinópolis/MG, 18 de abril de 2.011.


Pois é queridos leitores, tirem suas próprias conclusões como eu tirei, abraços

Ellen
 

Um comentário:

  1. Dificil fica opinar, uma vez que, atualmente, decote acentuado, deixando os seios bem descobertos, é muito usual. A boate poderia negar a sua entrada somente se a jovem estivesse praticando um legítimo atentado ao pudor que, ao meu ver, diante dos nossos costumes vigentes, seria configurado se ela estivesse sem blusa, o que ,pelo que se pode depreender da sentença,não aconteceu. Assim, o pessoal da boate agiu de forma discriminatória, expondo-a e maculando sua imagem. A jovem sofreu dano moral, haja vista que, certamente, tal fato não deve ter acontecido longe do olhar de outras pessoas. É lamentável que tal tenha ocorrido, e certamente,mesmo não sabendo o local, tudo leva a crer que tenha sido numa cidade do interior, onde as "flhinhas de papai" recebem tratamento diferenciado e podem fazer o que bem entendem, e as anônimas são marginalizadas.

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